Na fotografia, observar a luz, conhecer suas infinitas colorações, nuances e intensidades é uma desafiadora viagem e uma interessante conexão com o cosmos. Luzes vêm do infinito para serem desenhadas nas fotografias. Decifrar o tempo através das imagens torna-se uma tarefa intrigante, pois mesmo que há um milésimo de segundo, a fotografia se remete necessariamente ao que já passou. Por esta razão, Roland Barthes considera a fotografia uma espécie de ressuscitamento .

Neste trabalho busco a produção de imagens reveladoras da trajetória do tempo na casa, mas ao invés de ressuscitar , desejo imaginar o passado. Re-viver dimensões e experiências profundas, camadas de tempos e vivências, em especial da presença do pintor Pancetti, que impregnou o local com azuis profundos, contemplações apaixonadas, luzes e sons marinhos.

Uma incursão pela casa, suas escadas labirínticas e futuristas, rasgando o tempo e o espaço, nos conduzindo a reentrâncias do passado e do inconsciente, fundindo fotografia, vida e História. São revelados fatos, momentos, sensações, suposições e suas imbricações com as perguntas do artista. Na verdade a incursão é minha, meus pés percorrendo transparências luminosas, meu olhar perscrutando as memórias subjacentes, impregnadas em paredes e sutis sombras.

A proposta desta exposição nasceu dentro da disciplina Processos Criativos do mestrado da Escola de Belas Artes da UFBA, ministrada pela artista plástica e professora Viga Gordilho. As primeiras idéias nasceram em grupo, conhecemos neste momento, uma publicação da Aliança Francesa sobre o histórico da casa e o processo de restauração e adaptação do espaço para o atual uso como escola, teatro e galeria de arte e um catálogo sobre o pintor Pancetti com informações sobre sua trajetória em Salvador e sua residência na casa, quando esta foi hotel. Minha pesquisa se desenvolveu inicialmente, ao conhecer a casa, imaginar, imaginar e imaginar. Inúmeras possibilidades de investigação, de caminhos a percorrer, de abordagens a serem feitas. Imaginação alucinatória, pois quando apareciam, as imagens povoavam e percorriam minha mente com impressionante veracidade. As possibilidades eram muitas, a imaginação criativa ia delineando caminhos, buscando conexões entre o imaginado e as possibilidades realizadoras, as conexões entre a imaginação e a técnica materializadora.

Fotografias foram realizadas em variados momentos do dia, várias luzes, ambientes e enfoques. Busquei não pensar, deixei a câmera me levar, as luzes e reflexos me seduzirem, os lugares enigmáticos e os paradoxos do passado versus os espaços e equipamentos futuristas da recente reforma me desafiarem. Momentos de muito silêncio e concentração. Ao olhar pelo visor, não estava a ver o espaço em si, mas o que este poderia sugerir, para extrair minha imaginação.

A Fotografia tem alguma coisa a ver com a ressurreição...ela fala daquilo que foi. O noema da Fotografia é simples: “Isso foi”.

 

A Fotografia torna-se então uma nova forma de alucinação: falsa no nível de percepção, verdadeira no nível do tempo. Uma alucinação temperada, de um lado “não está lá”, do outro, “mas isso realmente esteve”: a imagem louca, com tinturas de real. Esta verdade louca é fiadora do ser”. Roland Bartes (1980 pag.123-124)

 

 

Isabel Gouvêa

Formada em cinema pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, está radicada em Salvador desde 1978, desenvolvendo trabalhos fotográficos, exposições individuais e coletivas e publicações em vários temas. Ministrou várias oficinas de fotografia e implantou a vertente fotográfica do projeto “Conhecendo a Cidade, Descobrindo o Olhar” no Liceu de Artes e Ofícios da Bahia.

Atualmente fotografa para o Teatro Castro Alves, desenvolvendo trabalho junto ao Balé Teatro Castro Alves, produzindo imagens para cartazes, programas, divulgação e exposições fotográficas no Brasil e diversos países do mundo. Atua como fotógrafa free lancer junto a diversos grupos culturais de Salvador e coordena o Núcleo de Fotografia da ONG Cipó Comunicação Interativa.

Em 2001 realizou a exposição “Encantamento” no Festival Wemilere – Raízes Africanas de Cuba e em 2002 a exposição “Impressões Cubanas”, no Circuito de Artes Visuais do IV Mercado Cultural e no período de 2003-2004 realizou a curadoria da Mostra Design Popular da Bahia para a Galeria da Cidade em Salvador e Museu da Casa Brasileira em São Paulo.

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