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Jornal A Tarde/ 11/07/2003

>>>>>>>>>>>>>Invasão eletrônica

Coletivo e-lectroInvasores reúne a banda tara-code com VJs,
DJs, bailarinos, videastas e artistas plásticos
em evento gratuito no Icba

>>Neyse Cunha Lima

Nunca a expressão cyberpunk fez tanto sentido. Mesclando o espírito do faça-você-mesmo inventado pelos moicanos molambentos dos longínquos anos 70 com a tecnologia doméstica proporcionada pelos softwares mais modernos, uma nova raça de seres alternativos começa a pôr suas manguinhas de fora.

Como no caso dos punks de outrora, eles surgem para desbancar a pompa e circunstância que elitiza e isola a arte. Se Sid Vicious só precisou aprender três acordes pra mandar ver, agora basta um ouvido bom para samplear. Para criar, não se precisa de nada além de criatividade. Ah, e um PC turbinado.

“Com um computador em casa, se podem cumprir todas as etapas da produção até o consumo, sem sair de casa”, diz Cláudio Manoel, o DJ Angelis Sanctus, do coletivo de DJs Pragatecno, o mais ativo da cidade. Coletivo, aliás, é a palavra-chave da nova cultura eletrônica que desponta em Salvador.

“A cena ainda é muito frágil e quando as pessoas se juntam, o movimento se fortalece”, diz a bailarina Ludmila Pimentel. Ludmila, Cláudio, a banda de trip-hop tara–code, o artista plástico Joãozito, o VJ Pixel e a webdesigner Mari Fiorelli, reunidos sob o nome de e-lectroInavsores, estão estreando hoje, no Icba, um evento multimídia super-elaborado que fica em cartaz até sábado, de graça, pra quem quiser ver.

Fazer um negócio assim exige alguns pré-requisitos. O primeiro deles é um pouco de organização. Em vez de ficar reclamando que o axé não deixa espaço pra ninguém, colocar as mãos na massa. Além de um certo desprendimento.

A galera envolvida com o e-lectroInvasores não está ganhando nada com o evento do Icba - pelo contrário, está investindo grana.”É uma forma de divulgar o que a gente está fazendo”, diz Andréa May, da tara–code, que teve a idéia de reunir a galera porque queria voltar aos palcos com a banda, mas não com um show convencional.

“Vamos deixar isso pra quando sair o CD que estamos produzindo”, diz a cantora. Enquanto isso, ela reuniu a galera, não como convidados, mas como partes de um evento integrado de arte eletrônica. Por eletrônico, entenda-se tudo que utiliza a tecnologia, tanto como assunto quanto como mídia.

Esta não é a primeira vez que esse espírito eletrocomunitário dá samba em Salvador. Sob a coordenação do professor André Lemos, do Núcleo de Ciberpesquisa da Ufba, já rola há três anos o Soulcyber, um evento que mistura palestras, performance e festa, sempre com um tema básico. Já rolaram “Música eletrônica”, “cultura hacker” e “animê” (desenhos animados gerados por computador, cuja estética lembra a dos mangás japoneses). Em novembro próximo deve estar saindo o quarto, com o tema “cibercidades”.

Em novembro passado, aconteceu o Conexão, organizado pela galera do Pragatecno, dentro do mesmo espírito arte-e-conversa. E ainda houve o Imagens Sonoras, do Icba, em maio passado, que além dos alemães do Rechenzentrum (vídeo e música eletrônica), trouxe o VJ Alexis, pioneiro no Brasil, e os pernambucanos do superbacana Media Sana, que remixam noticiários de tevê dando um novo sentido à coisa toda.

A idéia da cibercultura remonta a outro conceito surgido nos anos 70, como o punk: a microinformática, lançada pelos chamados cientistas californianos sob o slogan “computers for the people” (computadores para o povo). “O surgimento da Apple foi uma mordida na maçã do mainstream”, diz Cláudio Manoel. Com a internet, que acabou de desmontar o velho esquema emissor-mídia-receptor, fazendo a informação circular em todas as direções, ninguém mais segurou a cibercultura.

O humano e o digital estão muito mais próximos do que se imagina - corpo e máquina só funcionam na base da eletricidade”, diz Ludmila Pimentel, cuja performance Corpos Elétricos explora justamente essa idéia, com as bailarinas se movendo em gráficos de eletrocardiogramas, na cadência dos neurotransmissores, numa espécie de diálogo homem-máquina.

A combinação de música com imagem, aliás, é a própria essência da arte eletrônica. Tudo se combina e se completa em e-lectroInvasores. O Corpo Elétrico dança sobre a música do Dj Angelis Sanctus, que também faz a trilha do clip Ambiencia terço, do VJ Pixel, que usa samples de animê para ilustrar o show do tara–code, que também usa as animações da webdesigner Mari Fiorelli. A união faz a força à base de impulsos elétricos.